Sabes, amor…
Sabes, amor…
Agora tudo ficou mais difícil
Chegou o momento que eu sempre temi
Aquele momento em que nada me oferece
grandeza
Em dosagem suficiente para me deixar
seguro
De ter chegado sequer aos teus pés, que
sim, são belos
É o próprio nada que me incomoda porque
se ao menos
Quantificasse a minha própria
insignificância
Se pelo menos servisse para me livrar
Desta raiva envergonhada que me aperta o
peito
Por saber que não mereço o teu regaço
Por sentir a pequenez que me atrofia
A alma e mais desgraçadamente
O pensamento
Sabes, amor
Eu quis fazer de Neruda e tentei escrever-te
uma ode
Mas as palavras desentenderam-se e não
mais rimaram
Eu quis fazer de Chopin mas as teclas
pareciam de ferro
E as notas zombavam de mim como se eu fosse
um bobo
Quis até fazer de Dali mas os esquissos
ficaram tão maus
Que cheguei a pensar cortar os dedos,
para te poupar os olhos
O Nada enxovalhou-me, amor
Manda-me embora para que tudo volte ao
princípio
Para te deixar descansar depois de mais
um dia aurido
Eu sei que sonhaste comigo, sei que me
sentiste
Pulsando, de mansinho, bem no fundo de
ti, por todo o dia
Porque te deixei levar, por marotice, um
pouco do meu cheiro
E claro que sim, também eu te mantive em
segredo nas minhas mãos
Nos interstícios dos dentes, na fímbria
das unhas, o nosso desejo
Deixa-me pensar que sendo teu vou chegar
ao outro lado de mim
Em tuas margens ancorar, na esperança de
honrar o meu destino
Contigo, meu amor antigo,
minha história e meu castigo, minha amiga.